Paisagens Temáticas

Infância e Juventude

Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1989) abriu a Trilogia do Terramoto de Abbas Kiarostami, e expôs ao mundo a obra do cineasta iraniano, no panorama do Festival de Locarno. No filme, Ahmad, um rapaz, enquanto fazia os trabalhos de casa, percebe que trouxe o caderno de um colega por engano. Com receio que o amigo seja castigado, Ahmad, foge da mãe e parte à procura do amigo nas povoações vizinhas. Se o filme de Kiarostami, que abre a secção Infância e Juventude, nos coloca no trilho dos temas da obra do iraniano, como o interesse pelo real ou a ideia de percurso que conduz a narrativa, as acções do protagonista e o seu retrato justo e por vezes violento, situam o filme como uma das obras mais singulares sobre a infância e a conquista da autonomia da criança. No texto em que lançávamos esta secção no primeiro episódio do Close-up, destacávamos a simultaneidade de um encantamento e estranhamento do mundo atribuível a este lugar de grande transformação do humano, que remete para a complexidade da condição da infância e da juventude na sociedade contemporânea. É um período em que há também revolta, muitas vezes orientada pela fuga, como a fúria da personagem de Sandrine Bonnaire em Aos Nossos Amores (1983) de Maurice Pialat, também ele um cineasta tutelar nesta temática. Encontraremos também a obra de Jonas Carpignano que, depois de A Ciambra (2017), reincide nos universos familiares da Calabria (Itália), com A Chiara (2021). A secção tem representação portuguesa com Vádio (2023), no encontro particular entre um adolescente e uma jovem mãe solteira, no Alentejo. O programa também atribui espaço ao documentário: a emancipadora fuga de New Jersey e a invenção de uma das grandes figuras da música popular na chegada à New York pós-hippie, em Patti Smith, Poeta do Rock (2022). Em Quando Neva na Anatólia (2021), a condição particular da infância tem o contexto de uma escola enclausurada nas montanhas e num regime intransigente e burocrata. Numa secção que guardará nas réplicas várias propostas de produção contemporânea e obras relevantes da história do cinema, há também espaço nesta edição de Outubro para o cinema de terror, numa sessão da meia-noite, em que a inadaptação da juventude encontra uma metáfora numa América interior, no Texas dos anos 70, no confronto com uma equipa de actores e técnicos e a rodagem de um filme para adultos, em X (2022), com realização de Ti West e protagonismo entregue a Mia Goth, dupla que se reencontrou em Pearl (2022). [Vitor Ribeiro]

Onde Fica a Casa do Meu Amigo

de Abbas Kiarostami

Dia 15-10 15h00 (PA)
Presença de Carlos Natálio
Khaneh-ye Dust Kojast? (Irão, ficção, 1987, 80 min) M/12

Esta história de amizade e cumplicidade juvenil valeu ao realizador o Leopardo de Ouro e uma menção especial do júri no Festival de Cinema de Locarno. A história centra-se no desejo do pequeno Ahmed de devolver um caderno a Mohamed, um colega de escola. Essa missão tem uma importância singular: se Mohamed não tiver o caderno com os trabalhos de casa todos feitos no dia seguinte, vai ter um castigo muito severo na escola. Destaque para a interpretação das crianças, que conseguiram captar e transmitir a sua vulnerabilidade num mundo caótico.

A Chiara

de Jonas Carpignano

Dia 15-10 21h45 (PA)
Presença de Cláudia Coimbra
(Itália/França, ficção, 2021, 120 min) M/12

Claudio e Carmela Guerrasio reúnem-se com amigos numa grande festa para celebrar o 18.º aniversário de Giulia, a filha mais velha. No dia seguinte, ele desaparece. Apesar das palavras tranquilizadoras de Carmela, a filha Chiara, de 15 anos, decide investigar as verdadeiras causas do desaparecimento do pai. É assim que descobre que a família tem uma série de negócios com a máfia. Estreado em Cannes, um filme cuja acção também decorre na região da Calábria, Itália. A assumir as personagens estão Swamy, Claudio, Grécia, Giorgia, Carmelo, Vincenzo e Salvatore Rotolo (todos da mesma família).

Vádio

de Simão Cayatte

Sessão para escolas (secundário)
Dia 17-10 14h30 (GA)
Presença de Simão Cayatte
(Portugal/Polónia/França, ficção, 2022, 90 min) M/14

Primeira longa-metragem de Simão Cayatte – depois de "A Viagem", "Miami” e "Menina" – este drama foi filmado em 2019, antes da pandemia de covid-19, e conta a história de André, de 13 anos, que vive sozinho com o pai numa zona remota do Alentejo, onde se dedicam ao negócio de perfuração de águas. Certo dia, o pai desaparece sem explicação. Sem saber o que fazer nem ninguém a quem recorrer, André procura Sandra, uma jovem mãe solteira que vive na única casa das redondezas. Com as interpretações de Rúben Simões, Joana Santos, Luísa Cruz, Paulo Calatré e Lia Carvalho.

Patti Smith, Poeta do Rock

de Sophie Peyrard e Anne Cutaia

Dia 18-10 18h30 (PA)
Presença de Tânia Leão
Patti Smith, Electric Poet (França, documentário, 2022, 55 min) M/12

Abandonando New Jersey e uma vida que a sufocava, Patti Smith chega a New York, a capital americana da auto-reinvenção, no final da cultura pós-hippie. Com 20 anos, sem dinheiro, cabelo desgrenhado, acompanhada pelas “Iluminações” de Rimbaud e uma câmara Polaroid na mochila, precisa de liberdade. Partindo de arquivos raros e de concertos míticos, o documentário de Anne Cutaïa e Sophie Peyrard descreve o percurso de uma poetisa insaciável, autora sensível, fotógrafa e música que se tornou num ícone do rock e numa das maiores artistas dos nossos tempos.

Quando Neva na Anatólia

de Ferit Karahan

Dia 19-10 18h30 (PA)
Presença de Pedro Ludgero
Okul Tirasi (Turquia/Roménia, ficção, 2021, 85 min) M/12

Num colégio interno nas montanhas da Anatólia, um rapaz curdo de 12 anos fica doente de repente. O seu melhor amigo tenta ajudá-lo, lutando contra as regras rígidas e a burocracia impostas pela escola. Quando finalmente consegue, a escola fica cortada do resto do mundo por causa de um nevão e todos se tentam culpar uns aos outros pela inacção, tudo enquanto o rapaz continua a precisar de cuidados urgentes. Um drama do também curdo Ferit Karahan, que esteve ele próprio em colégios internos quando era ainda criança.

Aos Nossos Amores

de Maurice Pialat

Dia 20-10 21h45 (PA)
Presença de Carlos Lobo e Vera Peixoto
À Nos Amours (França, ficção, 1983, 95 min) M/12

O filme que marca o apogeu de uma certa maneira de filmar de Pialat e que lançou uma grande actriz: Sandrine Bonnaire, então com dezasseis anos. História da descoberta do sexo e do amor por uma adolescente, no seio de uma família violenta, que termina com a fuga dela para os Estados Unidos. Neste filme, Pialat leva muito longe a sua técnica "brutalista", com grandes elipses e uma certa dose de improvisação dos actores, que chega às raias do psicodrama.

A abrir a sessão Aos Dezasseis (2022, 14 min) de Carlos Lobo:
Uma escola, um skatepark e um concerto. Sara acaba de fazer dezasseis anos. Uma curta-metragem estreada no Festival de Berlim.

X

de Ti West

Dia 21-10 00h15 (PA)
(EUA, ficção, 2022, 105 min) M/16

Texas, finais da década de 1970. Um realizador chega com a sua equipa de actores e técnicos amadores a uma cabana situada na quinta de uns agricultores, com a intenção de fazer um filme para adultos. O velho senhor avisa-os de que a sua mulher tem um problema de saúde e que se devem afastar-se dela o mais possível. Nessa mesma noite, eles são brutalmente atacados. Realizado por Ti West (“Hóspedes Indesejados”, “The Sacrament”, “Terra Violenta”), um filme “slasher” erótico que conta com as actuações de Mia Goth, Jenna Ortega, Martin Henderson, Scott Mescudi e Brittany Snow.

A Infância Nua

de Maurice Pialat

Dia 13-01 15h30 (PA)
Presença de Ricardo Gross
L' Enfance Nue (França, ficção, 1968, 80 min) M/12

François, um menino de dez anos, foi entregue a um orfanato pela sua mãe - que não está disposta a abdicar da custódia permanente. O seu comportamento destrutivo precipita a sua mudança da casa de uma família adoptiva de longo prazo para os cuidados de um benevolente casal idoso. Um comovente filme sobre a infância, a primeira longa-metragem de Maurice Pialat, é uma obra em estilo semi-documentário, que utiliza apenas actores amadores. Espécie de reverso de "Os Quatrocentos Golpes" (Pialat teria tomado o filme de Truffaut como anti-modelo), dolorosa história de um pré-adolescente turbulento numa família de adopção e dos seus desajustes emocionais.

A Rapariga Santa

de Lucrecia Martel

Dia 13-01 17h30 (PA)
La Niña Santa (Argentina, ficção, 2004, 105 min) M/12

É Inverno em La Ciénaga. A jovem católica Amália encontra-se dividida entre o desejo sexual e sua devoção religiosa. Ao ser assediada por um médico de meia-idade, que está de passagem pela cidade, assume a missão sagrada de salvar do pecado a alma deste homem. A Rapariga Santa é a segunda longa-metragem de Lucrecia Martel, a realizadora argentina que se revelou com O Pântano.

Close

de Lukas Dhont

Dia 10-05 21h30
Presença de Susana Bessa
Close (Holanda/França/Bélgica, 2022, 100 min) M/12

Léo e Rémi têm 13 anos e são inseparáveis. Depois de um Verão de inúmeras aventuras e partilhas, os dois ficam radiantes por terem sido colocados na mesma turma. Mas a sua proximidade é mal interpretada pelos colegas de escola, que os começam a atormentar com insinuações maliciosas sobre serem namorados. Para evitar ser ostracizado, Léo decide afastar-se. Até que, um dia, Rémi desaparece. Vencedor do Grande Prémio do Júri do Festival de Cinema de Cannes 2022 e nomeado para o Óscar de melhor filme internacional, um drama sobre a adolescência assinado pelo belga Lukas Dhont, que escreve o argumento em parceria com Angelo Tijssens, com quem tinha já trabalhado em “Girl” (2018), o seu filme de estreia. A dar vida a Léo e Rémi estão os jovens Eden Dambrine e Gustav De Waele; Émilie Dequenne, Léa Drucker, Igor van Dessel, Kevin Janssens e Marc Weiss assumem as personagens secundárias.

O Invicto

de Satyajit Ray

Dia 11-05 17h30
Presença de Teresa Garcia
Aparajito (India, 1956, 110 min) M/12

Um comboio atravessa uma ponte sobre o rio. E logo estamos na cidade sagrada de Benares, nas margens do Ganges, onde Apu e os pais recomeçam a vida da família. Apu tem 10 anos e é um aluno curioso e brilhante. Mas o infortúnio obriga a que regresse com a mãe à aldeia natal. Apu ganha uma bolsa para estudar em Calcutá, o que vai obrigá-lo a separar-se da mãe. Neste segundo episódio da "trilogia de Apu" de Satyajit Ray, uma belíssima relação mãe/filho está no centro do filme, em que vemos Apu transmitir à mãe, que se sacrifica para que ele estude, parte do que aprende na escola. O Invicto foi premiado com o Leão de Ouro no festival de Veneza, onde o cineasta decidiu que seria o segundo título de uma trilogia dedicada a Apu. O Invicto é o filme mais belo desta trilogia e uma das obras-primas de Ray.